sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Poemas Novos, O Velar e Desvelar da Rosa.


O Velar e Desvelar da Rosa
    a Rainer Maria Rilke

Chegam os frescos, alvorescentes ventos,
tão longínquos de tempo e memória...
para deslizar no teu rosto.

Voz carinhosa,
porque me chamou,
em meio aos instantes,
e me abriu o coração na festa das cores?
Porque me fascinou tanto,
e tão cedo me abandonou?
Eu era sua mais linda criança,
para que eu tinha que morrer?

E eu morri,
sem querer morrer,
nos teus braços,
com toda vida brotando de dentro de mim.

Voz da Beleza,
eu te amei com tudo de mim,
todo o tesouro de criança que eu era,
porque me abandonou... porque me abandonou...
  … enquanto eu tanto brilhava?...


Os olhos outrora crianças
estão tão tristes, tão quebrados, tão míopes de vida.
Ecoam meigas, tremeluzes, sussurrantes harpas,
trinados de flauta sibilam chorinhos
e caixinhas de música tocam os instantes desajustados.
Perdido nos labirintos sem fim de sua alma,
prenhe de abismo e loucura,
jamais se sentira tão infeliz, tão só, tão abandonado...

Sentado no seu jardim, em pleno sol, chorou.

E a Voz me chamaria ao Abismo.
Novamente, e, entretanto, desta vez,
por vontade acordada:
Vêm, me dê a mão,                              
que eu te ensino a voar, no altar, do ar.
E eu, que amava, que era aquela criança,
não tinha escolha, eu precisava existir.

O solitário jardim mora no antigo bosque.
Sua fonte sopra, por entre borboletas e anjos efêmeros,
sua face e cores afloram.

Vêm-nos crianças translúcidas correndo,
riem sorrindo, a cada respiração, uma flor,
a cada instante, um novo aroma no ar.

Se se lia seu olhar,
mil borboletas azuis,
as mil e uma lágrimas do tempo,
retornavam e retomavam a flor do peito.
Dos instantes de céu e das estrelas que quebrei,
pousei sonhos e brilhantes
dentro das pedras dos caminhos... teus.

O jardim balança entre velar... e revelar.
As claras cores e os aromas estão em festa,
a tua respiração de asas ritmadas é tão nua e pura.

A pergunta simples e profunda de si, Jardim,
Amante da Existência, sempre retorna e se retoma:
interrogar a si mesmo,
cuidar de si, criar a si, compor.
A filiação mais inacreditável e inocente:
Dá-me teu fruto,
dá-me teu filho,
ao meu âmago,
que o gesto,
que te sou flor.

Quem ama em silêncio a amplidão,
para que ter um eu,
se eu inspiro a vida?
Que riu que sorriu?
Só Rio que sorriu.

Ao respirar o ar, o mar do Ar,
a Fonte se abre em cores,
o Segredo se torna festa de canções infinitas
que enfim se atravessam,
claves de sol, claves de sins,
rame-os, rame o rumor...
em ramos repletos de destinos musicais;
Pura Solidão, essencial Encontro:
a flor efêmera se torna esplêndida flor real.
A música se realiza
no mar do pleno Ar interminável.

Rosa!
Puros brilhos, guardados em Abismos,
que desabrocham Amor e Encanto,
que se ultrapassam por via do Canto.
Amantes escravos, Anaforismos.

Infinitos, estrelas em degredo,
Sinfônica do Mistério em Segredo:
Nós realizamos Poesia Absoluta.
Instante a instante, somos a luta,

juntas, elas nos polem nossa Face.
Nós somos Efêmeros Anjos Novos,
apurando Dor e Alegria dos Povos,

compondo Cor e Lembrança em enlace.
O coração flui puro em Florescer.
Só, a Rosa brilha seu Renascer!

Fresca e alvorescente flor do peito,
tão clara, clarinha, carícia Flor de Lis:
renascente no sangue e na fonte.
Bate forte, bate feliz, coração!
Os luminosos anjos musicados,
tal qual velhos órgãos de tubo,
com âmagos das frescas flautas doces,
sopram bárbaros, bravos, se entregam ao ar,
em esplendores, vestidos de airosos instantes de sol.

Lê-nos...
Não.
Ouve meu âmago,
me vêm através do terrível abismo,              
reconhece, Jovem, todos eles podem falar que sonhamos,
não és o único,
eu nasci dentro do teu vivo sonho!
Vim te cantar e partilhar os instantes.

Dá-me a mão em concha, e te pouso a Rosa.
A Dor, a Loucura e a Morte ajoelham-se face a Flor.
Veja, elas são precisas e apenas servem,
esplêndidas mestras ao coração puro.
Na fabulosa sinfonia do Sentido,
das falas, dos cantos, do diálogo interminável,
dos olhares e seus destinos,
o pequenino e o imenso,
o tão dentro, o tão distante,
o sonoro, o intocável, as flores insconscientes,
tênues infinitos, densos infinitos,
há apenas estrelas solitárias, binárias,
estrelas variáveis, estrelas exóticas,
intergaláticas, múltiplas, de abismo,
quase-estrelas, buracos-negros, possíveis strangelets,
proto-estrelas, anãs, gigantes, supernovas, hipernovas,
pulsares, pulsares binários,
nebulosas, quasares...
nas enciclopédias das faces e destinos.

Nos meus olhos as tuas estrelas,
nos teus olhos as minhas.

Ouvir, tocar, nascer, ser abandonado,
religar, desabrochar renascendo.
Estrelas efêmeras, estrelas novas,
são a dança do Vário e do Um no âmago de uma fonte:
só há um Sangue no Tempo: a Respiração.

Labirinto dos Labirintos ao Canto dos Cantos,
repleto de mortes e fantasmas,
fértil de fabulosos destinos possíveis,
oferece seus mais sublimes amantes a te guiar no infindo:
olhar, inocência, amor puro,
as janelas especiais, um coração e duas mãos.

Protege o teu amor dele mesmo,
pois Amor é tão terrível.
Cuida de teu amor, contra ti mesmo.
O Eu é tão terrível.
Vele a Rosa, para que ela desabroche de si, plena e pura.
Só há eu e tu, Estrela, mais nada.

Porque o tempo de flor que foge,
nós colhemos seus perfumes mais delicados e profundos
e os guardamos na Canção dos Tempos:
vive a audaz música vivaz no sangue veloz da Rosa em flor,
o Ser é ir sendo, ser o Sopro,
a Fonte renascente respirando,
cada olhar, uma flor, uma fonte, uma estrela.
Velar, desvelar e Revelar a Voz.

Estava só. Estava abandonado.
Tão feliz, tão sereno,
perto do atroz e audaz e esplendoroso Coração do Tempo.

No seu jardim, da janela do seu olhar,
viu a Vida, nos seus olhos tão nus, miraculosos,
o ar da graça,
como ela vai acontecendo,
se devorando a si mesma,
para poder se abrir brilhante e musical...
Estelar.
Viu a Vida em sua pura Face.
E sorriu.

  … aquele anjo vestido de criança teria que se tornar Voz do Tempo,
e pela pureza e alegria mais atrozes e luminosas,
viver as estórias inacreditáveis,
pura flecha atravessando o coração.
Tentaria salvar as crianças caindo no Abismo,
nenhum Paraíso, nenhuma condenação,
somente crianças vindo a ser no céu,
em retornos infindáveis.
Sua missão seria a tradução dos inefáveis,
verter, quebrar, fixar, precisar as lembranças e as estrelas...

Cála-te, Áurea.
Serena no Caos,
serena no Coração da Guerra,
da Guerra de Amor.
Ouve o silêncio, asa musical.
Confia em mim, dorme no meu coração.
Gesta, te abra única no tempo.
Por entre os instantes, através das estrelas.
Um e Tudo.
Talvez as estrelas consigam atravessar o Infinito.
Nossa perfeição é cantar o sangue na Luz,
nós, amantes e prisioneiros do Tempo.
Eu preciso encerrar.
Sobretudo, o mais precioso é: Exista!

O Mar infinito, invisível, entra nos olhos,
o Mar renascido sai do olhar
e se espraia na existência.
Na Rosa, o Infinito se abre na respiração.
No Infinito, tudo que existe,
existe para uma única e singela rosa.
Voz, vozes da Vida, flor: compõe o Ar!

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