domingo, 17 de setembro de 2017

Odisseias, vida e obra - crônica autobiográfica

Numa vida individual há tempo para algumas poucas odisseias pessoais. Tive duas até agora, e começo a terceira. Primeiro, a infância, este formidável tesouro. Logo depois, em tenra idade, adoeci severamente, entrando no País das Maravilhas, ao mesmo tempo em que parcialmente cresci. Não tive uma adolescência realmente, como quase todos tem. Estive numa casa de sonhos, na maior parte, ainda que tenha recebido o convite de um renomado professor australiano para bolsa de mestrado em filosofia na Austrália, e o elogio de outro destacado professor brasileiro, “teu caminho é extremamente fértil”. Eu caíra no abismo. Dois anjos humanos me foram enviados, uma foi Clarice Lispector, pelos seus livros, outra Cecília Meireles. Entrei no portal da grande poesia, como leitor, e em dez anos escrevi um livro de poemas, fui vivendo, e ao final deste tempo, conheci um simples e grande amor. Isso me levaria ao fascínio e ao delírio. Veja-se que o delírio tem dois sentidos, loucura e transcendência, distintos e separados, porém, relacionados. Como aquele que sai da caverna, como em Platão, e vê o sol, pela primeira vez, fascínio e delírio, este, especialmente aos olhos dos outros, os amigos dentro da caverna, que acham que você é que entrou na caverna, e não o inverso. Meu livro, “Lis”, foi sobre a busca da pureza e de florescer humanamente, e essencialmente renascer, o que me levou afinal ao catolicismo apostólico romano, nesta terrível época. (Tu és Pedro, e sobre esta pedra edifico minha igreja. Tudo que ligares na terra ligarás no Céu, sobre ela as portas do inferno não prevalecerão. São Mateus, 16, 13. Pois é, já estamos nesta época das portas do inferno.)
Em algumas coisas eu não tomo jeito. Rsrsrs. Soltei passarinhos por aí. Eles vieram me contando que ela só recentemente se recuperou, e ainda guarda uma grande mágoa velada, de uma profunda cicatriz no mais fundo do peito e do coração. Bom, eu sei. Eu também. Mas o mais importante é que cicatrizou, e estamos razoavelmente bem e tocando a vida para frente e para cima, ainda que escapem umas reclamações do passado. Terrível e temível orgulho da inteligência, gosta muito de reclamar. Não temos um coração de pedra, entretanto.
Mais do que isso, o amor de casal, o ápice do amor ao próximo, na terra, digo, no mundano, não há. Mas é bem inferior, aqui e depois, ao amor a Deus, que é ao perfeito, a caridade. Dez mil maníacos não nos convencerão que a maré, e nem o tempo, pode voltar. Eu encontrei pureza, no meio de um amor em guerra, com um outro coração em flor, que se foi, e deixou o caminho preparado para o verdadeiro amor, a caridade. Renasci. Esta segunda odisseia se encerrou, e a seguinte, a terceira, se abriu. Vida e obra.

Obs: eu vi meus poemas recentes. Eles estão bem ruins, uma cópia mal feita de meu próprio estilo anterior. São da forma como eu fui, uma forma de escrever, que aprendi e desenvolvi, ligada à forma que eu vivia. Mudei, não posso nem consigo mais escrever da forma que escrevia como antes. Mas há alguma coisa muito bonita dentre de mim, que cresceu, inclusive, mas ainda está, nesta nova fase, aprendendo a andar de novo, junto com os aprendizados anteriores. Ainda estou aprendendo a escrever de novo, com um novo estilo e método, novos assuntos e ideias. Há uma enorme responsabilidade em escrever. Pois a letra mata. Não dá vida. Apenas favorece a vida, porém a negativa é direta. A Verdade dá a vida, a mentira a tira. Contudo, as palavras tem um poder precioso e sagrado.

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